
TEXTO ELABORADO POR: Prof. Thiago Gomes da Silva Nunes
E aí, pessoal! Dessa vez trouxemos uma matéria um pouco diferente do que comumente temos aqui. Embora não seja uma dica ou conteúdo exclusivo do Enem, é um material pertinente que pode agregar muito ao seu conhecimento!
A temática gira em torno das ciências humanas a partir de uma abordagem filosófica, então o texto será um pouco mais extenso, com uma linguagem mais formal (mas nada fora do comum, ok?) Os tópicos discutidos no decorrer do texto serão:
- “Ciências humanas, uma problemática shakespeariana;”
- “O caráter científico de uma rebelde acadêmica;”
- “Uma classificação provisória e tipicamente humana.”
Vamos lá!
Ciências Humanas, eis a questão: uma modalidade acadêmica que tem como objeto de estudo o ser humano na sua completude existencial! E a complicação começa aí...
Se por Filosofia – palavra vinda da mistura entre dois outros termos: flexão e reflexo – nos referimos a uma atividade essencialmente reflexiva, as ciências humanas aparecem como um conjunto de atividades acadêmicas bastante filosóficas, afinal de contas, têm por objeto de estudo a própria existência humana.
Mas o que nos importa aqui é falar o que elas são, e essa problemática se torna ainda mais “problemática” dã porque no âmbito político-institucional adotam-se classificações simplistas, que nada mais são que modelos práticos de organização curricular. É por isso que quase todos os documentos oficiais classificam as grandes áreas acadêmicas em quatro correntes: ciências exatas (ou formais), ciências biológicas (ou da natureza), ciências humanas (e sociais) e linguagens; entre outras possibilidades de classificação que variam segundo a história e os autores (ABBAGNANO, 2007, p. 165).
Entretanto, a população em geral – e consequentemente os mais jovens – acabam fazendo suposições que não condizem com a realidade de cada disciplina, algo que acaba influenciando erroneamente nas escolhas profissionais. Tipo, é o velho exemplo da Filosofia: ela é uma ciência humana? Claro que não! Mas porque geralmente é inserida na grade curricular das “ciências humanas” do Ensino Médio ao Superior? A resposta é a mesma: uma simples questão prático-administrativa, ponto.
Tá ok, mas o que é uma ciência humana? Há distinção entre ciências humanas e sociais? O que difere os estudos de linguística construtivista dos antropológicos? A linha divisória é tênue, mas vejamos:
CIÊNCIAS HUMANAS, UMA PROBLEMÁTICA SHAKESPEARIANA¹
Já dissemos, acima, qual é o objeto de estudo das ciências humanas, mas isso implica dizer que não são só os aspectos antropológicos e filosóficos que atravessam a humanidade e entram em discussão nessa grande área, mas também os biológicos, históricos, geográficos, linguísticos, etc. Isso demonstra a complexidade das ciências humanas, já que elas dialogam continuamente com outras áreas sem qualquer problema.
Não é por menos que as ciências humanas acabam adotando – de forma não rigorosa, mas provisória e estratégica – os modelos metodológicos de ciências como a genética, a bioquímica, as linguagens, a estatística, a psicologia, entre tantas outras. Visto que o ser humano é o animal mais complexo da história, é natural que a atividade científica que o estude se preocupe com todas as faces dessa “maravilhosa” e “problemática” existência.
Neste ponto, você pode estar se perguntando o seguinte: mas esse tipo de estudo não é papel da antropologia? Essa não é a ciência que estuda o homem? Olha, ao passo que a antropologia se preocupa com a espécie humana em termos biológicos e culturais, a totalidade das ciências humanas se destina à compreensão e ampliação do conhecimento humano para além da objetividade biológica e cultural dessa espécie, isto é: suas relações socioeconômicas, o contato com outras formas de vida, sua expansão no tempo e espaço, e as consequências dessa trajetória shakespeariana.
Não é por menos que um dos métodos de estudo mais difundidos nas ciências humanas é a hermenêutica (“arte da interpretação”), afinal, não basta apenas reunir um monte de dados em prol da comprovação de uma tese. É preciso interpretar os dados da melhor maneira possível, atentando para a complexidade inerente à existência humana; além de que as interpretações mudam progressivamente, o que sempre implica nas alterações do nosso ponto de vista sobre as expressões humanas em questão.
Até aqui deu para você perceber que não é fácil definir o que são as ciências humanas. Ainda assim, se precisássemos defini-las, poderíamos dizer que ciências humanas são um conjunto de estudos crítico-objetivos – no sentido simbólico e material do termo – da própria existência humana, seja na sua singularidade ou coletividade inter-relacional; isto é, as relações humanas stricto sensu ou o contato com o mundo e os outros seres vivos. Deu um nó no juízo?
[off]: Mas essa é uma definição bastante particular, fruto da nossa experiência enquanto pesquisadores e docentes nesta área, e por isso não leve tão a sério... :P
NOTA: ¹ Por shakespeariano entendemos uma narrativa trágica como um tipo de história que apresentava conclusões chocantes. William Shakespeare (1564-1616). Foi um dramaturgo inglês que ficou bastante conhecido por findar suas peças com tragédias bastante "sanguinolentas." As quais serviram, no mínimo, de inspiração para a série Game of Thrones, mas claro a menção a Shakespeare aqui é uma clara e óbvia brincadeira.
O CARÁTER CIENTÍFICO DE UMA REBELDE ACADÊMICA
Algo que já foi bastante debatido em relação às ciências humanas é seu status propriamente acadêmico, levando em conta que toda essa complexidade deixa no ar um problema: o que difere as ciências humanas de outros saberes não científicos, como por exemplo, a Psicanálise, a Astrologia, a Poesia ou a própria Filosofia? Bem, se por um lado elas não se esquivam do debate com outras áreas e saberes não científicos, por outro elas acabam assumindo toda expressão humana [científica ou não] como parte do seu esboço analítico, posto que esses saberes nos falam, em maior ou menor medida, sobre a própria humanidade.
Contudo, existem critérios que delimitam e credenciam suas informações distinguindo-as, consequentemente, de outras formas de saber. Por mais importantes que possam ser, como é o caso da Literatura. A ciência se define por um conjunto de métodos/medidas que garantem a validade de seus dados, legitimando as informações sustentadas até então. (ABBAGNANO, 2007, p. 157) A despeito do fato de que mudem, até porque as mudanças dos paradigmas científicos implicam no progresso do conhecimento humano.
É por isso que os paradigmas científicos nunca são totalmente “refutados” como dizem os mais leigos, mas sim alterados qualitativamente, o que possibilita a proposição de novas fórmulas e dados mais avançados como resposta aos problemas enfrentados. Ainda assim, aqui fica estabelecida a perspectiva mais atual sobre o que é a atividade científica, uma vez que a visão clássica sustentava pretensões absolutistas bastantes inadequadas para a atualidade. (DORTIER, 2010, p. 74)
O fato é que esse “grau de relatividade” que acompanha o conhecimento científico se iniciou justamente com o nascimento das ciências humanas, enquanto contraponto às demais formas absolutistas de saber. O engraçado é ver que dentro do ambiente universitário os estudantes, pesquisadores e professores de ciências humanas são considerados, em geral, os mais “briguentos”, “rebeldes” e “engajados” a certas pautas político-ideológicas, algo que condiz com a origem histórica dessa grande área.
A “criança levada” acusada de incompetência pelos professores positivistas, acabou crescendo e aprimorando seus métodos de pesquisa, diferenciando-se paralelamente das outras ciências clássicas, o que gerou um monte de tretas desentendimentos que duram até hoje.
UMA CLASSIFICAÇÃO PROVISÓRIA E TIPICAMENTE “HUMANA”
É preciso alertar que os termos ciências sociais, ciências humanísticas ou mesmo ciências morais assumem o papel de sinônimos ativos para o conceito de ciências humanas. No entanto, é provável que essa linha de investigação tenha nascido com a obra Sobre os princípios da moral de David Hume (1711-1776), quando propôs a criação de uma ciência do espírito humano.
Em termos objetivos, seriam ciências humanas: a Arqueologia, a Geografia, a Ciência Política, a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e, claro, a História; apesar das discussões que rondam essa atividade acadêmica, pois é... Áreas como Direito e Administração, entre outras, entrariam na categoria de Ciências Sociais Aplicadas, sem perder, óbvio, o status científico-humanístico.
Em geral, adotamos o termo “Humanidades” para nos referirmos aos saberes não científicos, mas tão importantes quanto, até porque formam as bases lógico-estrutural ou atribuem conteúdo às Ciências Humanas.
Detalhe! isso tudo pode se complicar ainda mais quando você chega na Universidade e se depara com o eventual Departamento de Ciências Sociais e Humanidades, ou Ciências Humanas e, lá do outro lado, Ciências Sociais, enquanto Direito e Administração formam áreas independentes com departamentos especificamente voltados para cada curso. É, pois é pessoal! guardem uma coisa na cabeça: é tudo uma questão administrativa. (ABBAGNANO, 2007, p. 165)
Sendo assim, sejam mais humanos e estejam mais abertos as mudanças e ao fluxo natural do nosso mundo. Boa sorte. o/
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REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução: Alfredo Bosi. 5ª Ed. São Paulo - SP: Martins Fontes, 2007.
DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. Tradução: Marco Casanova. São Paulo – SP: Editora Unesp, 2006.
DORTIER, Jean-Fraçois. Dicionário de Ciências Humanas. Coordenação de tradução: Márcia Valéria Martinez de Aguiar. 1º Ed. São Paulo – SP: Martins Fontes, 2020.
HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. Tradução: José Oscar de Almeida de Marques. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
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